Pedra, Bronze, Ferro e Games

Uma conversa aleatória com meu amigo CDX me fez pensar como a quantidade de games ambientados antes da Antiguidade Clássica — a saber, as idades da Pedra, Bronze e Ferro — é criminalmente pequena.

"Quê?", deve se perguntar o leitor desavisado. Vamos à explicação desnecessária para quem se importa com o assunto e irrelevante para quem não se importa.

No estudo do passado é comum dividirmos a História em períodos de tempo. As divisões mais comuns são de conhecimento popular: a Antiguidade Clássica, a Idade Média (ou "Idade das Trevas", para os detratores do período), a Idade Moderna, A Idade Contemporânea, etc. Mesmo na academia essas periodizações são comuns, ainda que bastante problematizadas.

Não quero dialogar sobre essas problematizações. Bem, não agora. No momento tô mais interessado nos usos dessas periodizações como suporte estético-narrativo em obras ludoeletrônicas. Ou, num linguajar mais acadêmico: como a indústria de joguinhos adora usar alguns períodos históricos para ambientar seus games e parece ignorar outros.

A Antiguidade Clássica, com seus populares gregos e romanos é literalmente clássica, sendo muito bem representada nos games — Assassin's Creed: Odyssey, Age of Empires, God of War e diversos Total War logo me vêm à cabeça. A Idade Média, se qualque coisa, é sobre-representada, já que a fantasia tolkienesca padrão é, por si só, uma representação medieval. Não que exemplos não-fantasiosos estejam em falta; posso citar Age of Empires 2 e Crusader Kings como favoritos pessoais. A Idade Moderna tem seus recortes privilegiados que não padecem de representantes: a Renascença (Assassin's Creed II) e as Grandes Navegações (Sid Meier's Pirates e Colonization) têm lugar cativo em nossas mentes. E acho que nem preciso entrar no mérito da Idade Contemporânea com seus napoleões e guerras mundiais.

Mas se seu interesse é em temporalidades anteriores à Antiguidade Clássica, suas opções ficam bem mais limitadas.

Far Cry: Primal é o único jogo de grosse calibre semi-recente ambientado na Idade da Pedra que me recordo. Se é que podemos considerar 2016 "recente". No mundo indie, de notável, conheço apenas Roots of Pacha, que ainda não joguei mas parece ter uma pegada bem mais histórica, com uma progressão social do paleolítico até o neolítico. Outros exemplos mais antigos que me recordo (Prehistorik, Chuck Rock) são todos de fantasia de pedra, por assim dizer, colocando humanos andando ao lado de dinossauros.

Com a Idade do Bronze e Ferro a situação é mais precária. Eu me recordo de... Zero games recentes ou semi-recentes ambientados nos períodos? Certamente zero games triplo A, ou com qualquer A. Chega a ser tragicômico como um dos primeiros e mais influentes games da indústria, Hamurabi, foi deliberadamente ambientado na Antiga Mesopotâmia porque a professora que o desenvolveu sentia que as sociedades pré-Gregas não recebiam o devido crédito e reconhecimento. Pois é...

No caso da Idade do Bronze transpassa o tragicômico e fica só trágico, mesmo. Apesar do Egito Antigo ser muito popular na cultura pop, suas representações (dentro e fora dos games) costumam se focar no Egito Ptolomaico, em especial durante a época da Cleópatra (50 a.C. - 10 d.C.). O grosso da história egípcia é muito, muito mais antiga. Para vocês terem uma noção: nós estamos mais próximas de Cleópatra do que ela estava da construção das grandes pirâmides. O Império Novo do Egito, que durou entre 1550 a.C. e 1069 a.C., já era história antiga para Cleópatra; o Império Antigo (2686 a.C. – c. 2 181 a.C.) deveria parecer quase mítico.

São tantos eventos e cenários absurdamente interessantes que esse período nos possilita (criação das pirâmides, unificação do Egito, mudanças dinásticas, o Egito Atenista...), e isso se nos focarmos em apenas *uma* civilização. A Idade do Bronze tinha um tantão de civilizações interessantes, cada uma com história e cultura fascinantes, num mundo interconectado e complexo. E nem falemos do fim do mundo como conhecíamos que aconteceu ao final do período, que daria um pano de fundo para um cenário apocalíptico/pós-apocalíptico maneiríssimo.

Eu não tô pedindo muito, vai.