Não é fácil ser professor na Minas Gerais de Zema

Inscrevi-me para o recém-aberto concurso para professor do Estado de Minas Gerais. O salário não é dos melhores e a rede de ensino estadual de MG tem uma série de pontos à melhorar, mas não estou na posição de poder simplesmente dispensar uma oportunidade de lecionar, então vamos tentando o que surgir. É a vida adulta.

Tirei um tempo para ler o edital com mais carinho e fazer meu plano de estudos. De cara algo me chama a atenção: o conteúdo programático para PEB (Professor de Educação Básica) de História é significativamente maior que o de outras especialidades. Os tópicos vão da Pré-História até a História Do Tempo Presente, um conteúdo *bem* extenso e que será bem desafiador de ser abarcado nas somente 20 questões reservadas para conhecimentos específicos que a prova tem.

Mas isso é mais uma reclamação vazia, um "putz, precisava de tanta coisa?" conformado de quem sabe que vai ter estudar um tanto de assunto e nem metade vai cair na prova. A História é, por sua própria natureza, extensa e sempre crescente. Não tem como eu dizer que os tópicos abarcados são irrelevantes...

... Exceto por um pequeno trecho. Lá no meio do blocão de texto, na página 44, temos algo que parece ter sido escrito por um podcaster polemista, não um acadêmico de história:

"ressurgimento e novas facetas da esquerda: a ideologia do politicamente correto; ativismo político e midiático; narcotráfico e narcoterrorismo; governos e movimentos esquerdistas na América Latina;"

Uau. Apenas. Uau. Dizer que há um enviesamento explícito nesse trecho chega a ser brincadeira. Num par de linhas ele afirma que há uma ideologia do "politicamente correto", equipara ativismo político e mídia, associa a esquerda ao narcotráfico e narcoterrismo e fecha com chave de ouro usando um termo pejorativo para descrever governos e movimentos de esquerda.

São apenas 2 linhas no meio de um documento enorme, mas que já são o suficiente para ligar o sinal vermelho. Numa prova objetiva, que tipo de questão abarcaria esse "tópico"? Pior: um tópico ideologicamente carregado como esse abre pretexto para que o tema da redação, ou a correção dela, seja igualmente carregado.

Exagero de minha parte? Não, apenas a plena certeza que o governador Zema apenas concordaria com todas as afirmações desse trecho, inclusive o uso do termo "esquerdista".

Mais notável que a presença desse trecho problemático é a completa ausência de tópico similar abordando a alt right, neofascismo, trumpismo e movimentos herdeiros (e.g., bolsonarismo), etc. Não que eu esteja advogando uma abordagem de "os dois lados"; ter um tópico sobre "esquerdismo" e outro sobre "direitistas" não deixaria tudo bem e seria igualmente risível. Mas nem para se dar o trabalho de fazer algo do tipo para usar a carta do "ah, mas tamos vendo os dois lados!" a banca que formulou esse edital se deu. Preferiu deixar seu viés explícito solto lá no meio sem se preocupar com qualquer pretensa imagem de neutralidade. Genial.

(E dito isso, um tópico sobre a alt right na verdade seria extremamente pertinente, já que o movimento e seus derivados, diferente de fantasmas ideológicos como o "politicamente correto", deixou marcas e consequências político-econômicas com as quais ainda estamos lidando. Né não, Zema?)